Algo que andou mais rápido nesta transição de governo é a política ambiental. Com a ida de Lula ao Egito para a COP27, o Brasil deverá retomar seu protagonismo, comprometendo-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, naturalmente, proteger a Amazônia.
Isso significa, potencialmente, abrir novas frentes para a diplomacia brasileira. Uma delas é a articulação dos países amazônicos; outra é uma aliança dos detentores de grandes florestas: Brasil, Indonésia e Congo.
Consequências positivas podem surgir dessa guinada brasileira: investimentos estrangeiros em projetos sustentáveis mais recursos para infraestrutura, inibidos pela política de destruição de Bolsonaro.
Construção de base parlamentar, visita de Lula aos outros Poderes — tudo isso tem nos trazido uma sensação de normalidade.
No entanto, cada vez que falo em normalidade no Brasil, sempre fico com um pé atrás. A realidade alternativa está correndo solta. Lady Gaga representando o Tribunal de Haia pode chegar a qualquer momento e anular a eleição. A cantora do Abba Agnetha Fältskog tornou-se juíza na Suécia e também contesta o processo eleitoral. Por essas e outras razões, o general Benjamin Arrola prepara-se para dar o golpe de Estado que muitos esperam.
Embora pareça de outro planeta, o movimento da extrema direita é muito capilarizado no Brasil. De norte a sul, bloquearam estradas e, em alguns pontos, entraram em confronto com a polícia. Pessoas se ajoelham diante dos quartéis e rezam como se estivessem no famoso Muro das Lamentações.
É nesse quadro que começa um novo governo. Deixando para adiante o delicado tema econômico, preocupa-me agora a proteção da Amazônia.
Essa imensa região brasileira talvez tenha mudado um pouco se levarmos em conta 2004, data em que se iniciou um processo bem-sucedido de combate ao desmatamento. Há muitos grupos armados, e essa realidade ficou evidente após o assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira no Vale do Javari.
Diante dessa nova realidade, talvez não baste, para proteger a Amazônia, uma aliança política entre o governo e atores locais. Será preciso algo mais para retirar milhares de garimpeiros das terras ianomâmis.
Apesar de todas as críticas que possam recair sobre mim, sempre defendi que a proteção da Amazônia depende também de um diálogo com as Forças Armadas. Essa aproximação deveria ser tentada com toda a boa vontade do mundo.
Há muitas desconfianças que podem ser desfeitas com o diálogo. Observo, no recente texto do general Villas Bôas, que ele teme o que chama de “relativização da soberania nacional” na Amazônia. Talvez seja esse o primeiro nó a desatar. É possível dar todas as garantias de que a exploração sustentável não abdica um milímetro da soberania nacional.
Um bom exemplo para iniciar a discussão é o Fundo Amazônia, que Bolsonaro sabotou e agora foi reabilitado pelo Supremo. Alemanha e Noruega não investem dinheiro na Amazônia com a pretensão de ditar políticas, mas a partir de uma visão consensual de que é preciso proteger a floresta, desenvolver projetos sustentáveis. Uma parte desse dinheiro pode ser destinada a fortalecer o combate às queimadas, sobretudo pelos estados amazônicos mais atingidos por elas.
Conheço relativamente bem a presença das Forças Armadas na região. Visitei destacametos remotos fronteiriços e sou testemunha de seu sacrifício pelo país.
Baixada a bola, quem sabe não se possa conversar e encontrar uma convergência nacional em algo tão importante para nós?
Artigo publicado no jornal O Globo em 14/11/2022