O Sudoeste é um vento de chuva, aprendi no Rio. Se pudesse aplicar esse ensinamento à política, diria que os ventos anunciam mau tempo, furacões e tempestades no planeta. É fácil senti-los soprando nos Estados Unidos, com o fiasco de Biden no debate e a consciência crescente de que ele perdeu a capacidade cognitiva para governar o país de novo.
Isso aumenta as chances de Trump num momento em que a Suprema Corte chega a uma decisão aterradora. Decidiu que Trump tem imunidade parcial em processos a que responde. A sentença foi criticada pela juíza Sonia Sotomayor: “O presidente é, agora, um rei acima da lei”. Acusado de vários crimes, ele pode assumir a Presidência blindado pela própria Corte.
Será que o governo brasileiro se deu conta? Lula tem combatido o Banco Central, xingado jornalistas, como se a esquerda vivesse um momento de ascensão e se sentisse tão confortável quanto Maduro na Venezuela. Ele certamente reflete sobre a correlação de forças, mas parece esquecer e encarar o mundo como se multidões marchassem como no cartaz do filme “1900”, de Bertolucci. Os ventos são outros, o mar não está para peixe. Temo pela Ucrânia, que será a primeira vítima das vitórias de tantos aliados de Putin, na Europa e nos Estados Unidos.
Temo sobretudo pela intensidade das mudanças climáticas. Negacionistas podem voltar ao poder num grande país e avançar na Europa arruinando as metas de redução das emissões de CO2. Na verdade, não chegaremos a 2100 com elevação de apenas 2 oC de temperatura em relação ao período pré-industrial. Essa meta, mesmo com discursos politicamente corretos, já foi para o espaço.
O caso do Brasil é típico. Houve inversão positiva da política ambiental com a ascensão de Lula. Os eventos extremos como as cheias do Rio Grande do Sul nos castigaram, o Pantanal pode perder 2 milhões de hectares com as queimadas, e o Cerrado enfrenta a maior seca de todos os tempos, segundo uma pesquisa científica realizada nas cavernas da região.
Posso parecer pessimista, mas acho mais do que razoável alertar sobre os ventos que sopram. Duas condições essenciais estão em jogo: a democracia e a sobrevivência humana no planeta. O que nos garante que o Brasil será uma ilha de tranquilidade durante a tempestade que se aproxima?O melhor seria calçar as sandálias da humildade, ampliar a tolerância para a diversidade de opiniões, estabelecer a frente mais ampla possível.
Ainda assim, é preciso competência técnica e coragem para realizar reformas, qualidades que lembramos agora no aniversário de 30 anos do Plano Real. De nada adianta continuar de mãos dadas e nos afogarmos juntos na mediocridade. É preciso ligar todas as antenas, acionar os alarmes, estar à altura dos novos desafios e superar a nostalgia dos tempos que não voltam mais.
Os democratas americanos descobriram tarde demais que estavam sem saída. Por que não aprender com eles? Nem só as pessoas envelhecem. Práticas políticas também se esgotam e nos levam a impasses cognitivos e motores tão problemáticos como os que enfrentamos no crepúsculo pessoal.
Na história infantil, a mãe dos três porquinhos disse a eles, quando se despediram, que fizessesm suas casas com zelo. Ela sabia do lobo.
Artigo publicado no jornal O Globo em 08/07/2024