A intervenção federal no Rio foi feita por um governo impopular. E feita apenas parcialmente. Deveria ser completa.
Não creio que seja o caso de defendê-la diante das teorias conspiratórias, de esquerda ou direita, que veem nela uma espécie de ataque ao seu projeto eleitoral. É inevitável que as pessoas fixadas na luta pelo poder interpretem tudo, mesmo um fato dessa dimensão social, como simples contador de votos.
A intervenção está aí. O governo é impopular, mas o instrumento é o Exército, com grande credibilidade. Se escolher atos espetaculares para tirar Temer do sufoco vai afundar com ele.
Logo, a primeira e modesta tese: o norte é a prática militar, com preparo e meios materiais necessários, e não o oportunismo político. Se prevalecer a superficialidade do governo, a batalha será perdida.
A intervenção tem de saber o que quer, para definir a hora de acabar. Isso não se define com uma data rígida no calendário, mas com a realização da tarefa: estabilizar a situação do Rio para que a polícia tome conta depois de reestruturada. É isso que fazem as intervenções, mesmo num país como o Haiti.
Para reestruturar a polícia é preciso contar com a parte ainda não corrompida e pagar todos os salários em dia.
A maioria parece apoiar a intervenção. É fundamental respeitar a população, conquistar corações e mentes. Nesse sentido, foi um grande passo civilizatório o vídeo de três jovens orientando os negros a evitar a violência policial e a se defender, legalmente, dela. Está na rede. É um texto que deveria ser levado em conta, pois revela como as pessoas de bem se comportam nessa emergência.
Circulou uma notícia de que as favelas ocupadas por traficantes armados seriam considerados territórios hostis. É um equívoco, creio eu. As favelas são territórios amigos, ocupados por forças hostis. Parece um jogo de palavras, mas é uma diferença que implica em táticas e estratégias diversas.
A quarta modesta tese: como não foi realizada a intervenção completa, a Lava-Jato poderia avançar nos processos contra os políticos. Seria a maneira de combinar um ataque ao crime organizado em seus diferentes universos. Creio que fortaleceria o trabalho da intervenção.
Finalmente, algo que me parece também decisivo. Quem acha que é a única saída do momento, apesar de sua fragilidade, precisa ajudar.
O que significa ajudar? A sociedade já se move de muitas formas, inclusive, na internet, colaborando com aplicativos como Onde Tem Tiroteio, Fogo Cruzado e dezenas de outras iniciativas.
Isso vai depender também da intervenção. Se a visão for de aglutinar o esforço social, o general Braga precisa apresentar as linhas gerais de seu plano. Delas podem surgir uma indicação de como ajudar.
Compreendo que a esquerda diga que a violência foi superestimada pela mídia. O próprio general Braga derrapou no primeiro momento, ao afirmar que é muita mídia.
Ele tem razão, de certa forma. Sou um velho jornalista. No século passado, as notícias eram produzidas apenas por profissionais. Hoje, não: a estrutura industrial ampliou seu alcance diante de milhares de colaboradores filmando tudo. Quem filma os tiroteios no morro? E os assaltantes que tentam enforcar uma velha? Não são repórteres. Nenhum dos atos violentos foi desmentido. Não houve fake news, uma vez que caindo no circuito industrial os dados foram checados.
Não se trata, portanto, apenas de muita mídia. São muitos fatos. De qualquer forma, ganhariam as redes sociais.
É com eles que vamos. Ou não vamos.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 24/02/2018