O discurso de Dilma Rousseff é facilmente desmontável. Não deviam colocá-la diante do teleprompter para ler aquilo.
É impossível demonstrar o que disse: não há dinheiro público nos gastos da Copa. Ela vai passar dias na televisão sem demonstrar isto.
Dilma acenou para receber os líderes, o que mostra como ela não está entendendo o movimento: não há líderes nem as pessoas que estão nas ruas querem líderes, porque se sentem líderes de si próprias.
É falso a noticia de que vai lançar um plano para a mobilidade urbana. Na verdade, já lançou há algum tempo um PAC destinado a isto.
Ela passou o tempo estimulando a compra de carros, reduzindo impostos e prolongando as prestações. Este é um modelo falido.
É muito tarde para falar em plano de mobilidade urbana sem reconhecer esta realidade e sem compreender como, através de sua política, ela degradou a mobilidade urbana.
É contraditório falar da lei de acesso as informações oficiais e, simultaneamente proibir a divulgações dos dados de suas viagens oficiais ao exterior.
E falar em reforma política é apenas a maneira de empurrar com a barriga.
Uma reforma política será feita no Brasil com pressão constante das ruas e participação maciça, através da rede.
Achei a Dilma um pouco perdida, aliás já tinha dito no artigo publicado pela manhã no Estado de São Paulo.
Ela precisava entender o momento das ruas e dizer com clareza que estava equivocada, que o Brasil não é aquele país que ela descrevia.
Amanhã farei alguns paralelos entre o movimento espanhol e o brasileiro. Tanto em Barcelona como em Madri fizeram inúmeros debates para saber o que queriam.
Aqui no Brasil, vemos apenas cartazes com algumas lutas alcançáveis, como por exemplo os 20 centavos de aumento, a PEC 37 que em caso de votação será derrotada.
A falência dos partidos, o combate à corrupção e a maneira mais racional de usar o dinheiro público para melhorar os serviços, todos são temas que devem se desdobrar no tempo.
Navegar na neblina não é estranho para mim. Tanto que escrevi um livro com esse título. Mas essa neblina é muita densa e se move com rapidez.
É um momento singular de manifestações populares no Brasil moderno. Há uma cisão entre os que conduziram o processo desde o fim da ditadura e os que hoje estão na rua pedindo uma democracia mais real.
É preciso retomar o fio da meada, aprofundar a democracia. Como fazer isso, com que interlocutores, tudo isso acabará sendo respondido no caminho.
Na Islândia houve um uma negociação entre forças políticas e movimento espontâneo, resultando num governo social democrata-verde para aplicar uma nova Constituição.
Na Espanha, entretanto, parece-me que o movimento e as instituições ainda se movem em esferas muito distintas.
Com esse sistema político existente é quase impossível haver cooperação produtiva entre o Brasil que está nas ruas e o parlamento.
Será preciso mudar, com a pressão de baixo para cima, as regras do jogo e encontrar uma forma de convivência política que as pessoas respeitem.
Todos os que conhecem o Brasil, sabem que existe não só aqui como em todo lugar do mundo, a chamada maioria silenciosa.
O processo eleitoral sempre revela um país dividido e é muito deformado pelo peso da grana.
Será preciso muita paciência e participação atenta para que se consiga avançar.
O dado novo é que os brasileiros acordaram e essa nova força realmente pode impulsionar um novo momento histórico no país.
Ainda não dá para ver tudo isso. Uma parte é apenas o desejo. Mas como todos têm direito a um, sonho, por que não sonhar na neblina?