Uma repórter da BBC me perguntou esta semana se o desastre de Santa Maria não iria repercutir nos grandes eventos internacionais.
Possivelmente sim, mas esta não é a questão mais importante. O problema principal são os milhares de jovens que freqüentam discotecas no Rio e outras cidades do Brasil que se arriscam em armadilhas as vezes letais, como a da boate Kiss, em Santa Maria.
Os grandes eventos são apenas uma razão adicional para adequar as casas de diversão brasileira aos padrões de segurança internacional.
Grandes desastres como nos Estados Unidos, Rússia, Argentina, China e Tailândia já haviam ensinado o caminho. A combinação de recursos pirotécnicos com revestimentos acústicos é muito perigosa.
Houve avanços técnicos. Há fogos com chama fria e há revestimentos não inflamáveis. Custam mais caro.
A escolha de produtos mais baratos, a superlotação, guarda costas hesitando diante de uma multidão em fuga, supondo que não iriam pagar a conta – o que significa tudo isto? Ganância.
A cabeça do governo precisa mudar. Mas a nossa também. Aqui perto de casa, quando saio de bicicleta encontro gente saindo de uma boate, na esquina de Vinicius de Moraes com Borges de Medeiros, na Lagoa.
Depois de Santa Maria, olho as duas pequenas portas da boate com aflição. Não há saídas laterais. Como centenas de boates no pais, ela está entre dois prédios.
As saídas de emergência são essenciais para a sobrevivência de um número maior de pessoas, uma vez que a fumaça pode matar em cinco minutos.
Muitas casas não têm nem alvará. Mas as que têm nem sempre são fiscalizadas. Todo o cálculo das normas de segurança deve considerar a variável lotação permitida.
Quantos lugares abarrotados não encontramos na noite? É preciso que as pessoas tenham alguns critérios na escolha.
Não sei como vão escrever a nova lei que prometem, mas o alvará deveria ser estampado do lado de fora das boates, como se estampam os menus de restautantes.
Minha sensação é esta: a tarefa de fiscalizar é superior à capacidade do governo. Só uma mudança de cultura, nas autoridades negligentes, e nos freqüentadores de boate pode trazer um salto de qualidade.
Talvez seja necessário repensar também este método de cobrar as despesas na saída. Na Kiss, nem retiraram as grades metálicas que usaram para organizar a entrada.
Isso é um indício de que a ideia de segurança era focada apenas no lucro da casa.
O Rio precisa de uma política muito mais séria de prevenção: medidas que não devem ter em mente a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Medidas independentes dos grandes eventos.
São um sinal elementar de respeito à vida.
Artigo publicado no jornal Metro


2 Comments
No caso da boate mencionada na matéria, além de não ter saídas laterais, os frequentadores tem de subir alguns degraus para ter acesso. Isso pode implicar num salto -de nehuma qualidade, na saída, mesmo sem incêndio. O que não é pouco provável de acontecer, já que numa boate as pessoas costumam consumir álcool
Observados os critérios de segurança, o “acidente”, a “fatalidade” não existem.
Infelizmente, aqui, no Brasil, a vida vale pouco. Dá uma angústia danada constatar tal coisa, que, somada a Renans et caterva, nos fazem – quase – desanimar. O Chico Alencar, meu Deus, teve 11 – ONZE – votos hoje!!
É assustador ! Mas não há de ser nada: um dia teremos muitos representantes dignos, como você e o Chico sempre o foram. Aí, a coisa vai, e as tragédias não terão vez. O seu artigo está perfeito, com lógica, coerência e qualidade. Parabéns!
Um abraço,
Célia Carvalho