O que será do nosso país?
Muita gente me pergunta isto, nas ruas e nos aeroportos. Respondo que penso no tema todos os dias e um bom pedaço das noites. Mas não cheguei a uma conclusão que pudesse ser transmitida num diálogo telegráfico. Tudo o que consigo dizer ainda não transcende a sabedoria de um escoteiro: estar alerta.
Não temo pela sobrevivência da democracia brasileira, mas pelos arranhões e pancadas que pode levar no caminho. É um perigo que ronda a democracia em quase todos os lugares onde ela existe.
Acabamos de sair do primeiro processo de eleições disputado principalmente no território virtual das redes. Talvez seja mais reveladora do Brasil que as outras, marcadas por comícios, propaganda na TV e reuniões domésticas. Muita gente participou, compartilhando opiniões.
O processo tem alguns perigos, que já rondaram as eleições presidenciais norte-americanas. O principal deles são as fake news, cada vez mais intensas.
Fake news sempre existiram. No passado as chamávamos de boatos. Na década dos 70 o escritor alemão Hans Magnus Enzensberger escreveu um livro de ensaios com o título Política e Crime. Um dos mais interessantes capítulos é dedicado aos boatos e sua capacidade destruidora em certos momentos políticos. A diferença essencial é que o boato hoje não só circula entre milhões de pessoas, mas o faz numa rapidez incomparável com outras fases históricas.
As fake news não seriam tão assustadoras para mim se houvesse uma vontade genuína de filtrá-las. O perigo apresenta-se no fato de que para muitas pessoas a distinção entre fake news e realidade não interessa mais. E essa indiferença diante de boatos espalhados por máquinas eficazes acaba sendo uma porta aberta para o totalitarismo.
Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, um presidente não escreve o destino do país como se estivesse diante de uma folha em branco. Há instituições, às vezes precárias, é verdade, mas representam um contraponto ao poder.
Conheço as posições de Bolsonaro e seus aliados em relação ao meio ambiente. Será um osso duro de roer. Mas, ainda assim, creio que há um horizonte para o movimento ambiental. Na minha opinião, ele terá de rever suas alianças preferenciais. Foi mais fácil buscar a esquerda, sempre aberta para absorver lutas contra o sistema.
No entanto, a ciência, a grande aliada estratégica, foi subestimada. O verdadeiro encontro a ser buscado é o da ecologia com a ciência. Não importa a resistência que as ideias encontrem. Apoiadas numa lógica científica têm chance maior de se expandir na sociedade.
Marina teve uma votação muito pequena. No dia seguinte à apuração, dois economistas ganharam o Nobel com trabalhos sobre o desenvolvimento sustentável. O tema continua importante, sobretudo no mundo. A votação de Marina não expressa a irrelevância ambiental na cabeça dos eleitores brasileiros.
O momento histórico, as circunstâncias tornaram a luta contra a corrupção sistemática e a insegurança nas cidades o que realmente importava agora. No campo da segurança pública, outro osso duro de roer. Não só Bolsonaro, mas também parte de seus eleitores, aposta na posse de armas. Vejo isso de uma forma diferente, mas não tão contraditória.
Jair Bolsonaro disse no Rio que gostaria de ver a segurança funcionando como há 50 anos. É compreensível a nostalgia das ruas tranquilas. No entanto, o esforço é fazê-lo olhar para a frente, se não 50, ao menos alguns anos adiante.
As experiências que fortalecem a minha tese estão aí: a tecnologia e a ciência também são aliadas da segurança pública. No Piauí, um aplicativo trouxe mais segurança às mulheres ameaçadas. No momento em que escrevo, estou partindo para a cidade de Guararema, no interior de São Paulo. Ali vou documentar o trabalho de uma verdadeira muralha de câmeras que protegem o lugar. São 96. Há 33 meses não há um homicídio.
Deve haver alguns problemas, como de privacidade. Mas isso vou analisar no local. De qualquer maneira, é um exemplo que fortalece a tese de usar o avanço tecnológico e científico como um grande aliado da segurança pública.
Enfim teremos um novo presidente, novo grupo no governo, mas há um caminho para contrabalançar o poder emergente. Uma instituição com a qual se conta sempre, apesar de sua degradação, é o Congresso. Houve uma renovação, cujos contornos qualitativos é difícil avaliar antes de fevereiro.
A base parlamentar do governo, no momento, são as bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Não são monolíticas, nem necessariamente concordam em tudo.
Sempre escrevi que a chamada bancada da bala é formada, parcialmente, por policiais experientes, que têm muito a dizer. A repressão armada é a linguagem que melhor entendem. No entanto, uma investigação sofisticada, um método mais científico pode despertá-los também para outro caminho, ainda incipiente no Brasil.
Na bancada ruralista há gente com mais intimidade com a natureza do que muitos ecologistas. Sua diferença é que trabalha com os fatores sobrevivência e, sobretudo, lucro. Mas com a mediação da ciência é possível algum resultado, assim como com a bancada religiosa, em alguns temas, como meio ambiente e direitos humanos – não, porém, no sentido em que os conheceram nos anos de PT.
Enfim, teremos muito trabalho para tocar o barco. Mas não é impossível. Estamos diante de uma realidade, não adianta chorar o leite derramado. O Brasil é assim, temos de nos ajeitar com ele e dar graças a Deus, porque a alternativa do autoexílio é bastante dolorosa, creio eu.
Tenho visto algumas críticas de que esse raciocínio leva a normalizar o fascismo. Na verdade, o que consideram uma aberração é resultado do voto popular. É preciso um pouco de cuidado com a realidade.
Ainda bem que haverá muito trabalho para todos. E pouco tempo para patrulhar uns aos outros.
Artigo publicado no Estadão em 19/10/2018