Está chegando o momento da COP-30. O evento é um instrumento importante para que o mundo negocie compromissos de redução de emissões e de adaptação às mudanças climáticas. Até agora, temos falado muito sobre os preços assombrosos de hospedagem e de possíveis problemas de organização. Tudo bem. Isso pode ser discutido, mas seria uma lamentável miopia deter-se em aspectos secundários diante do grande problema dos nossos tempos.
O Brasil generosamente se ofereceu para hospedar a COP-30 numa metrópole amazônica. Investiu mais de R$ 4 bilhões e designou um competente diplomata para presidir o evento: o embaixador André Corrêa do Lago. É um esforço considerável, sobretudo porque o Brasil assume grandes compromissos num momento difícil para a política ambiental no planeta.
No meu entender, dois grandes problemas ameaçam a COP-30: a conjuntura internacional e um certo esgotamento desse modelo de reunião. Um dos aspectos negativos da conjuntura é a ausência dos Estados Unidos, que, pela segunda vez, se retiram do Acordo de Paris. Segundo maior poluidor e o país mais rico do mundo, os Estados Unidos escapam de suas responsabilidades por meio do negacionismo de Donald Trump. A influência de Trump na conjuntura negativa não se esgota aí. Suas reticências em apoiar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), sobretudo neste momento da invasão russa na Ucrânia, obrigou os países europeus a ampliar seus gastos militares, que devem chegar a 5% do orçamento nacional.
Não só as políticas ambientais em países como a França vivem um certo declínio, como enfraquecem a possibilidade de financiamento das nações mais pobres, sem recursos para se adaptar ou mitigar os efeitos das mudanças climáticas. No quadro do Acordo de Paris havia uma meta inicial de US$ 100 bilhões para realizar essa tarefa. Esse dinheiro não apareceu e agora fala-se em ampliar a meta, logo no momento em que as fontes estão ainda mais secas.
Outro aspecto que sempre me preocupou nas grandes reuniões das Partes é sua dimensão. São mais de 190 países, comunidades indígenas, ONGs e imprensa. Isso torna o trabalho dispendioso em dinheiro e emissões para um resultado nem sempre animador.
No livro A Próxima Onda, Mustafa Suleyman, um dos pioneiros da inteligência artificial, conta sua experiência na COP-15 em Copenhague, 2009. Ele participou da tentativa de elaboração de um documento unitário entre as ONGs para ser apresentado aos diplomatas. Houve tantas divergências que não foi possível alcançar o consenso. Mesmo se fosse alcançado, como reproduzi-lo em 190 países? Essa situação abre um flanco para críticas pertinentes: valem a pena os gastos financeiros e ambientais, para poucos resultados, frequentemente genéricos e compromissos nacionais nem sempre cumpridos?
Um autor dedicado ao tema, David G. Victor, defende em Global Warming Gridlock: Creating More Effective Strategies for Protecting the Planet acordos menores e pragmáticos entre grupos de países. Ele define os países diante da redução de emissões como entusiastas e relutantes, estes últimos China e Índia.
Outros enfoques críticos também são pertinentes, uma vez que questionam a eficácia em confronto com a legitimidade democrática. O modelo é includente, mas não funciona como deveria. Para alguns autores, como Robert Falkner, um dos grandes problemas foi que o Acordo de Paris trocasse metas obrigatórias por compromissos voluntários. A adesão é sempre grande, mas a eficácia deixa a desejar.
A lista de críticos que reconhecem a importância decisiva do problema ambiental, mas que duvidam do formato dos grandes encontros da ONU, é muito grande. Há quem ache que as COPs deveriam enfrentar o modelo econômico baseado no consumo e no crescimento contínuo. Outros enfatizam a questão da justiça climática e há quem ache que as COPs foram capturadas por interesses corporativos.
Não há dúvida, no entanto, de que é preciso buscar resultados que compensem os esforços. Diante das dificuldades conjunturais e do aparente esgotamento dessas grandes reuniões, o Brasil está arriscando uma cartada. Não há condições de mudar o mundo, trazer os Estados Unidos para a mesa, nem conseguir, a partir de Belém, o dinheiro necessário para financiar a adaptação dos países pobres às mudanças climáticas.
Mas este momento extraordinário coloca uma outra questão: se não a COP, o que poderia alcançar algum resultado planetário no momento? O Brasil tem grandes propostas, como a unificação mundial do mercado de carbono, e oferecerá o cenário amazônico para que todos possam refletir sobre a importância da floresta.
Todas as dificuldades deveriam nos unir na tentativa de conseguir o melhor em Belém. Afinal, nosso país está tentando conseguir algo num momento em que o negacionismo se fortaleceu, as guerras enfraqueceram a preocupação ambiental e o gigantesco problema de comprometer 192 países com algumas soluções continua sendo o grande desafio.
Creio que muitos observadores no mundo vão admitir, apesar de detalhes como preços de hotel, que o Brasil carrega a bandeira da sobrevivência humana num dos momentos mais difíceis da caminhada.