Sinto que é hora de planejar férias. Nada de grandes viagens, mas apenas um mergulho no território da literatura e de outras artes. Isso me ajudou na pandemia. Encontrei a obra de Jorge Luis Borges, quatro volumes editados pela Globo Livros, um refúgio de sensibilidade e erudição. Saltei alguns poemas, mas foi um tempo enriquecedor.
O ato de interpretar o cotidiano da política brasileira desgasta e pede um respiro anual. Pressenti o desgaste do STF quando decidiu julgar, sem estrutura adicional, milhares de pessoas. Prisões consideradas ilegais, problemas na própria cadeia, gente com câncer precisando de tratamento e, sobretudo, penas consideradas muito pesadas — enfim, uma sequência de problemas que acabariam se voltando contra a Corte.
Tentei ser discreto, mas não deixei de mencionar minha apreensão. O resultado foi a desconfiança de que protegia a direita. Da mesma forma que a própria direita acusa a defesa de direitos humanos como proteção de bandidos.
O Supremo agora tomou uma decisão importante, determinando que as emendas parlamentares sejam transparentes e rastreáveis. O Congresso queria retaliar, atribuindo-se o poder de anular decisões do STF. Tomar posição nesse caso valeu críticas dos que combatem o STF.
Enfim, como respondeu o personagem de Samuel Beckett que apanhava todos os dias quando lhe perguntaram quem bateu:
— São os mesmos de sempre.
Isso faz parte do jogo e pode ser levado com certo humor. Mas outros problemas me deixam mais preocupado. Pensei que as eleições municipais fossem discutir as mudanças climáticas e a necessidade de melhor proteção das cidades, sobretudo das áreas mais vulneráveis. A observação do debate em São Paulo não só me desapontou, como trouxe à cena uma imensa ameaça. Sabemos que o crime organizado se infiltra na política. Mas, para sobreviver, precisa aceitar as regras do jogo.
O que acontece lá é diferente. Um homem apontado como criminoso por inquéritos policiais entra na cena política cometendo crimes abertamente, como se invadisse uma residência e rendesse a família. E nada acontece.
Talvez tenha uma sensibilidade especial para esse tipo de problema. Mas, para mim, é o desdobramento da política da extrema direita na versão mais agressiva e, infelizmente, com chances de crescer. Steve Bannon, ex-assessor de Trump, já previu o surgimento de uma extrema direita mais audaciosa e disruptiva. Parece que isso acontece no Brasil.
Os ensinamentos básicos são estes: os políticos são corruptos ou comunistas; em ambos os casos, pode-se acusá-los de qualquer coisa sem provas. Para combater o sistema político, todos os meios são válidos, é possível cometer tantos crimes quantos forem tolerados por uma Justiça Eleitoral hesitante e tardia.
As eleições na maior cidade do Brasil trazem um ensinamento sobre o qual será preciso refletir. Não se trata apenas de uma aventura política camuflada pela luta anticorrupção. É um pouco mais que isso. É a mensagem apocalíptica de que todos são criminosos, e é preciso escolher entre os que falam diretamente com seus medos e preconceitos.
Até que ponto isso pode avançar? A extrema direita no poder na Itália temperou seu discurso. Mas essa é a tendência ou o que vemos no Brasil é algo que aponta para algum futuro, um tempo em que a própria tecnologia favorece a barbárie?
Não é simples formular o antídoto. Por onde começar? Pelo mundo político que precisa se voltar para as expectativas elementares da sociedade? Pelos setores da sociedade que conseguem se identificar com a barbárie na esperança de algo melhor?
Desses problemas não se tiram férias. A nova variante da extrema direita não se opõe apenas ao sistema político, à imprensa e à academia. Ela desafia abertamente a lei pelos crimes comuns em que se formou, mas também pela metralhadora giratória de falsas acusações. Houve todo um preparo do TSE para combater fake news. Chegaram com uma nova embalagem e ainda não foram reconhecidos.