Dia frio e de chuva intermitente na serra. Quando a garoa estiava, minúsculas gotas d’água acentuavam o verde dos alfaces, rúculas, agriões. Meu objetivo era conhecer melhor o uso do agrotóxico na região, que exporta para o Rio.
Nessa viagem, pensava em deixar a tragédia em segundo plano. Foi o tema de todas as minhas viagens nesse ano. Do horror da destruição nos primeiros dias à cassação do prefeito de Teresópolis.
As primeiras imagens foram de uma beleza inquietante. A região voltou a plantar com intensidade, mas num contexto muito perigoso.
As 37 pontes destruídas não foram reparadas. A recuperação das encostas não foi realizada. O que será dessas plantações nas chuvas? era a pergunta que fazia ao admirá-las.
Teresópolis é grande consumidora de agrotóxicos. Em muitos pontos da estrada, é possível ver a fumegação, sem as condições de segurança necessárias.
O Sinam, sistema do Ministério da Saúde que monitora doenças notificáveis, registra em torno de 30 caos, em média, na região, de 130 mil habitantes. De um modo geral, em muitas áreas, existe subnotificação.
Muitos duvidam da influência do agrotóxico no próprio corpo. O produtor José Antônio da Silva, por exemplo, as vezes acha que alguns problemas nos nervos da mão podem ter vindo do uso intenso.
Mas ele sabe também que isso é apenas um palpite. Mesmo perguntando sobre depressão, algo acontece com uso excessivo dos organofosforados, ele argumenta que já a teve, mas diante de razões mais concretas, como por exemplo dívida a pagar.
Na região, foram encontrados 36 tipos diferentes de organofosforados. José Antonio chama atenção para a capacidade de alguns deles de matar as raízes. Ao serem usados em encostas, acabam ampliando o perigo nas chuvas.
A ajuda do governo para recuperar as lavouras foi menor do que o esperado. Mas, pelo menos, se avançou num ponto combinado com os produtores: a devolução das embalagens vazias.
Ainda assim, além de aplicarem o remédio sem as condições adequadas, ignorando as dosagens precisas, sua situação é diferente das grandes plantações.
As famílias moram na pequena propriedade e se servem da água dos riachos que correm por elas.
A dificuldade de obter um quadro mais completo está também nas empresas que vendem o agrotóxico. Muitas delas, segundo os produtores, se recusam a dar nota fiscal. Sumilex, Karatê, novos nomes de produtos vão surgindo muitos de origem desconhecida por eles.
Torna-se difícil o cálculo do consumo e sua relação com o hectares plantados. E consequentemente um projeto de redução do emprego da química..
As verduras são muito bonitas e a única coisa que conclui é de que é preciso saber mais. Trabalhei num caso dramático,que aconteceu em Venâncio Aires, uma região produtora de fumo no Rio Grande do Sul.
Ali um número grande de suicídios entre os agricuturos permitiu estabelecer uma relação entre os organafosforados e sua influência no sistema nervoso dos trabalhadores.
Na serra, não existem esses sintomas graves. Houve um aumento de suicídios mas entre pessoas que perderam familares na tragédia, ou ficaram sem casa, ou as duas coisas juntas.
Daí a conclusão de que as chuvas de verão ameaçam suas vidas mais do que a química nossa de cada dia.
Os dois problemas deveriam ser trabalhados em conjunto. Mas é esperar muito, no momento. Até hoje, o governo não terminou as obras de recuperação da própria estrada Rio-Teresópolis, por onde chegam os turistas.
No trecho de mão única, os carros perdem longos minutos e até um vendedor de biscoitos vestido de garçon se estabeleceu na estrada.
Comment
Essa reportagem me lembrou o trecho final de “Entradas e Bandeiras”, sobre a questão das novas bandeiras que estavam sendo levantadas por pequenos grupos sociais, no teu caso a preservação ambiental (entre outras posturais as quais não entrarei no mérito no momento)… Foi depois desse livro que decidi no dia seguinte enfrentar chuva pra ir comprar uma bicicleta e, desde quando terminei de ler até hoje procuro adotar uma forma de vida mais saudável, mesmo na apertada rotina diária… Obrigado Gabeira…