Fiquei acordado para ver o debate presidencial. Não é fácil para quem tem o hábito de dormir mais cedo. Marcado para às 23h, atrasou um pouco e nos revelou um reality show chamado A Fazenda. Nunca tinha visto aquilo e acredito que só o verei nas próximas eleições, se estiver por aqui.
Num artigo anterior, tinha falado sobre atmosferas da democracia, um livro de ensaios que critica a política contemporânea. Mencionei a necessidade de convencer com evidências, de deixar fatos e algumas verdades dominarem o debate.
Esta preocupação me surgiu ao falar com uma senhora para quem não se pode mais acreditar em nada. Existem, segundo ela, apenas versões e um profundo desânimo sobre a adequação delas à realidade. Será uma pena se abdicarmos de buscar a verdade, apesar das dificuldades da tarefa.
Mas, no debate de ontem, lembrei de meu projeto de estudos. Da retórica, um importante instrumento para colocarmos os temas de nossa preferência na agenda. E do sofisma, este um instrumento que se tornou mais frequente do que no passado.
Quando um dos candidatos diz que criou milhões de emprego, suprime a economia real, os empreendedores, as inovações, a criatividade empresarial, reduz tudo à ação iluminada do governo.
A resposta a isto, com frase do tipo “eu criei, eu construí”, etc, também não favorece a oposição. Um governo não trabalha no vácuo. As obras dependem de políticas acertadas, assim como a economia depende de políticas estimulantes. No caso das obras, Brecht, que tinha muitas intuições, zombava da história dos faraós que construíam pirâmides, pois ignorava a multidão de trabalhadores que, realmente, carregavam as pedras.
Se formos discutir isto com marqueteiros, provavelmente vão argumentar que o governo tem de ser mais assertivo, que o candidato precisa dizer “eu fiz e eu vou fazer”, pois somente assim convence os eleitores.
O interessante, além daquele azul e daquela luz, que nos jogavam numa atmosfera duvidosa, é que o programa anterior, o reality show, falava também na conquista de votos, para evitar eliminação. Comprar votos ou não, trapacear ou não, realizar ou não alianças espúrias para sobreviver. Parecia que o momento agônico da política começou muito mais cedo. Imagino nas fazendas reais do país, como se comportaram os espectadores que plantam e colhem, na chuva e no sol; como reagiram à afirmação de que o governo está produzindo mais alimentos. Tudo isso é matéria para o ano que vem.
Para não dizer que falo apenas do futuro, para evitar os insultos de alguns petistas, reafirmo que Serra argumentou melhor, com uma visão mais consistente. Na sexta feira, se tudo começar na hora, é possível que os candidatos façam o melhor debate.
Tudo o que aconteceu até agora pode ser visto como um aprendizado: véspera de eleição, milhões de espectadores, o último costuma ser a síntese de todos os debates.
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